Um Chamado João
João era fabulista?
fabuloso?
Fábula?
Sertão místico disparando
No exílio da linguagem comum?
Projetava na gravatinha
A quinta face das coisas
Inenarrável narrada?
Um estranho chamado João
Para disfarçar, para farçar
o que não ousamos compreender?
Tinha pastos, buritis plantados
No apartamento?
No peito?
Vegetal ele era ou passarinho
Sob a robusta ossatura com pinta
De boi risonho?
Era um teatro
E todos os artistas
No mesmo papel,
Ciranda multívoca?
João era tudo?
Tudo escondido, florindo
Como flor é flor, mesmo não semeada?
Mapa com acidentes
Deslizando para fora, falando?
Guardava rios no bolso
Cada qual em sua cor de água
Sem misturar, sem conflitar?
E de cada gota redigia
Nome, curva, fim,
E no destinado geral
Seu fado era saber
Para contar sem desnudar
O que não deve ser desnudado
E por isso se veste de véus novos?
Mágico sem apetrechos,
Civilmente mágico, apelador
De precipites prodígios acudindo
A chamado geral?
Embaixador do reino
Que há por trás dos reinos,
Dos poderes, das
Supostas fórmulas
De abracadabra, sésamo?
Reino cercado
Não de muros, chaves, códigos,
Mas o reino-reino?
Por que João sorria
Se lhe perguntavam
Que mistério é esse?
E propondo desenhos figurava
Menos a resposta que
Outra questão ao perguntante?
Tinha parte com... (sei lá
O nome) ou ele mesmo era
A parte de gente
Servindo de ponte
Entre o sub e o sobre
Que se arcabuzeiam
De antes do princípio,
Que se entrelaçam
Para melhor guerra,
Para maior festa?
Ficamos sem saber o que era João
E se João existiu
Deve pegar.
Carlos Drummond de Andrade
21. XI. 1967
tres días después de la muerte de
João Guimarães Rosa
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